domingo, 18 de abril de 2010

Nu parte IV - Testamento

a baixada inundada...

(lapso, 27 de outubro de 2009)

...fica para a cidade, a lembrança. Sobre o asfalto a lama, a água, o caos, o mundo urbano auto-denominado "civilizado" se depara com o que estava escondido abaixo das encostas. A mata ciliar era praticamente nula, o rio era coberto por inúmeras ruas da cidade, entre a mínima vegetação se abrigavam sacolas de supermercados preenchidas de lixo e inozadas em suas alças. O cenário de conflito urbano e omissão da natureza destoa da antiga Baixada no início do processo de urbanização de Pato Branco na década de 1960, o mundo urbano não podia cobrir o rio, passando pelas ruas recente Centro a população deveria cruzar por dentro do rio.

Tomando um chimarrão e conversando com Ivo Parzianello ele dizia: "antigamente a gente pescava no rio, hoje você só pega lixo ali ou coisas que é melhor eu nem falar". De uma ponta a outra, uma das localidades que é traçada pelo rio é o Bairro Bortot, ali não se despejam apenas dejetos descartados. Uma parte do bairro é dedicada aos ritos funerários alojados na cidade dos mortos, o Cemitério Municipal. Ao tratarem da situação do cemitério, as acadêmicas de biologia Marieli Bocchese, Luciana Pellizzaro e Janaína Bocchese revelam: "A maior preocupação é com a contaminação de solo e do lençol freático pelo necrochorume, substância originária dos cadáveres em decomposição que pode conter microrganismos patogênicos sob determinadas condições"[NOTA].

O dia 27 de outubro de 2009 ficou marcado para Pato Branco, nele 20 casas foram inundadas pelo rio, famílias perderam tudo ou o pouco que tinham. Não menospreza-se as perdas, mas pensemos na enchente como uma resposta...

Terremotos, enchentes, inundações... Uma sucessão de eventos catastróficos compõe o enredo de um telejornal. Nossa terrinha apesar de não ser atingida por abalos sismícos acaba recebendo notícias pautadas pelo impacto causado pela intervenção humana no ambiente. ONG's e instituições discutem o verde, outros chegam até a usar o verde como inspiração para tanto. A cor simboliza o todo como o negro muitas vezes representa a noite, o obscuro, o desconhecido. O verde é fauna, é flora, mas aparece ofuscado pelo avanço tecnológico do desenvolvimento. Indústrias passam a compor o quadro urbano, onde antes existia o natural, o nu do ambiente, agora vestimos a modernidade, a vitória da máquina, o ferro e o concreto ascendem uma segunda natureza.

Antes alguém vivia antes de nós, brancos e negros. Era uma vida diferente, entre aqueles rios, aqueles seres eram míticos das matas, não se resume uma vida a liberdade, mas caçavam, pescavam quando desejavam... Hoje, a fábrica é o controle de nossas vidas, máquinas enfileiradas entre corredores, lá de cima o patrão nos observa, somos controlados por uma grande relógio na parede que dita nossa jornada de trabalho. Pequenas janelas no alto do muro não nos permitem observar o tempo lá fora, o cenário não é uma paisagem de montanhas ou de campos e não ouvimos o cantar do galo nunca mais, somos ditados por um tempo criado por nós simbolizado no despertador alucinado que substitui essa ave nas manhãs da gloriosa manhã trabalhadora, construímos um outro tempo. Somos multidão, somos operários, com capacete, com macacão, assim como o palhaço usa maquiagem, peruca e uma roupa espalhafatosa.

Ouvimos a cada dia "a fundação do parque tecnológico-industrial gerará 2.000 empregos para a região", notícias que compactuam com a venda de informação sobre a desterritorialização do meio ambiente. Vivemos as rupturas e permanências num processo histórico onde o trabalho se coloca e a nossa natureza se retira, a cobertura é produto de uma sociedade espectadora desse espetáculo, vendamos a informação. A criação de empregos se torna o grande critério de qualidade de vida, resumimos nossa vida ao mundo do trabalho, sagramos o suor num Estado composto por um povo trabalhador. "Paraná aqui se trabalha", era esse o lema de um dos governos do estado nos anos de chumbo, um país que não possui dinheiro para industrializar-se empresta de outros, criamos a dívida externa para contemplarmos nossas obras. Somos os responsáveis por identificar o outro, "lá pra cima são todos vagabundos, não trabalham, ficam só na rede o dia inteiro", a imagem do ócio desse outro estereotipado e, na bem da verdade, pouco conhecido é o desprezo do nosso semblante cansaço, de nossas mãos calejadas.

A importância de um povo trabalhador se representa nos números. 2.000 empregos. 2.000 vezes a consagração do trabalho se passa nas nossas vidas. Mas os números não comem, não sentem dor, não choram, desnaturalizamos o homem, o tornamos um símbolo, uma representação, mesmo ele sendo trabalhador, descendente de italianos que sagraram os campos da região. Falar é mais fácil, ainda mais quando ele representa o desemprego, seriam também 2.000, mas não seríamos obrigados a encará-los, a vermos neles o sofrimentos, essa desobrigação é outra representação, do total conforto do nosso ócio e da mínima reflexão sobre a vida do outro. O espetáculo televisivo jornalístico se diz pronto e acabado mas padece de uma lógico de omissão de esquecimento.

Nossa História por esses interiores também segue tal fomento. Para nós aqui, uma Patrola Amarela é a História.

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