sábado, 16 de janeiro de 2010

Nu - Parte II

(lapso, 21 de Maio de de 2007)

Estava acordando, no chão (e onde mais poderia estar?), sentia que assim minha imagem seria revelada numa fotografia ainda mais decadente. Imortalizado digitalmente em fotos tiradas por mim mesmo ainda não era um junkie, precisava de mais, talvez esse seria o almejado, fim de semana após fim de semana... A Repúbica vivia cheia, gente que nem conhecia, uma bacia que era presente de casamento de um casal amigo servia para abastecer o apartamento de gelo, vodka, e quem sabe uma Coca-Cola para misturar e fazer o que chamávamos de "Tubão". Apesar de nem beber tanto, os discursos saiam boca a fora e o que todos pensavam sair inocentemente e involuntariamente partia de uma cabeça desenfreada nenhum pouco ingênua, fingia-me embreagado decaído na ideologia de um decadente anti-herói dos movimentos urbanos, ressucitado da sargeta onde queria estar jogado, do cacetete que na cabeça havia levado, das camêras que tudo haviam registrado...

Hoje eu lembro, acordando cedo, tomando café na cozinha, minha vida descomprometida com a ordem vigente ou pelo menos rememoro o porque que eu queria que ela fosse assim (apesar dos ditames da pequena-burguesia nunca haverem me permitido isso)... A memória põe na minha retina os outros, persongagens soturnos com seus goles, sobreviventes ou não, eu os carregava e minha alma engrata nunca atendeu aos seus convites de dar um "tiro" aqui ou um "tapinha" ali, qual é a memória entretanto que os pertence? O HOJE produz fotografias interessantes dessas figuras, alguns estão nas ruas, outros já morreram, na porta do quarto de um deles o título de sua obra: "O crack da bola"; colocada num cenário incrementado de um sofá rasgado; um colchão suado para um ser que pela pira fora deformado... Um corpo materializado, que preenche a camisa abarrotada, mal abotoada, vomitada, tudo isso para nós catastrófico, mas para ele cotidiano, alfórico...

Não pude ser o seu herói do movimento universitário... O mármore do apartamento da "mamãe" e do "papai" não se correspondem com o chão de tacos manchados daquela República... Minha decepção, a embalagem Activia diz "AGITE", aqueles persongagens me conteplam com sua ausência e eu os respondo ingratamente com meu abandono, com meu mérito, com meu diploma. A AUTO-RAIVA própria faz com que eu esgane essa garrafa de iogurte.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Nu - parte I.

(lapso, memórias de 12 de Junho de 2009)

Senti que vinha me pegando às coisas materiais (e isso já foi relatado característicamente numa música), senti que minha felação a antiquários e a gente morta não me fazia mais historiador... Queria poder registrar, catalogar, higienizar mas não apenas pela minha renite eu percebi que a História não me acordava de manhã, muito menos passava meu café. E se ela não batia minha porta era pelo motivo simples de que ela sempre foi orgulhosa com o ser humano e ela ocorria enquanto eu me fazia de rock-star ou me enganava na roupagem de um herói da classe trabalhadora. Se for assim, hoje prefiro que as pedras carregadas por aquele pedreiro sejam descritas minusiosamente no tocar da caneta num papel de agenda, isso antes que virem parte de uma construção ou sejam fumadas. Minha pose se faz perante o espelho, ali meu público me observa, sou eu único espectador, e ao invés de calças de couro ou de uma camiseta do Lênin a roupa da nudez me faz mais romântico quando descobri que poderia - de uma outra forma - amar a História.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Amanhecer da comunidade: A outra Curitiba

Curitiba, 11 de janeiro de 2010. 06:34.

Cercado de ruas, emerge o bairro, o arroio poluído e preenchido de dejetos e torna seu elemento. Jogados ao relento, o sofá e o fogão a lenha abandonados revelam um museu de antiguidades não tão antigas assim. O que antes era útil agora é parte de um habitat não mais pertencente a natureza, poucos faróis e buzinas revelam o território em cena, o mundo urbano suburbano...

Nem sai o sol já se escuta o barulho dos portões rangendo. Apontando a manhã vitoriosa esse é o proletariado saindo trabalhar, me encontro no acordado no bairro Gabineto, subúrbio curitibano. Abrem a portas da padaria da esquina, o balcão limpo é espaço um dos espaços de sociabilidade da comunidade. O horizonte mitifica as diversas territorialidades, aquém dos edifícios e dos condomínios alvorece o novo dia no bairro.

O historiador ainda não possui a sensibilidade com aquilo que ainda é um outro mundo, mas pouco a pouco, observando de casa a casa, de puxadinho a puxadinho, se define o imaginário de outras vidas. O sentimento se estampa no semblante de cada morador que se sente parte daquele pedaço, crianças brincam na rua, o braço tatuado na cadeia segura a mangueira e lava sua "caranga", automóveis com o motor aberto é consertado, a igreja evangélica abre para o primeiro culto e incitam a irritação do vizinho de frente "vai começá essa gritaria aí"... Se for assim será uma difícil competição com o som dos alto-falantes e cornetas que exalam o funk como hino do pedaço.

O caminhão buzina em frente ao ponto repleto de operários, uma criança passava livremente na rua, logo é chamada a atenção pela mãe, em frente passa o carro do geladinho (10 gelinhos por 1 real). Meu caminhar deflagra o bairro industrial, chaminés e fumaça vizinham o campinho de futebol quase sem grama, mas o jogo não é interrompido, pequenos meninos embarrados usando minúsculos calções apostavam 2 litros de Guaraná Antarctica... O convite do culto logo vem, uma Belina dirigida pelo próprio pastor fala em nome de Jesus, profetizando as pragas do Egito Antigo em analogia a crise mundial.

Cai a chuva nos telhados... Crianças brincam na rua enquanto a mãe chama para o almoço.

Logo a tarde, a regata e o bigode e o licor de mentruz na mão caracterizam um dos personagens do folclore do bairro, o contador de histórias é interrompido pelo dono do bar que o chama de mentiroso. Seu Baltazar retruca filosóficamente em sua defesa: "a mentira é uma verdade que não aconteceu". Acredito que disso nem precise falar, mas o carteado e o dominó fazem parte do ambiente e colocam em cena o desafio e a única rivalidade da classe trabalhadora além do Atlético e do Coxa, mas na parede dependurado está o tetra-campeonato do Corinthians (Curinthia).

Até o fim do dia, o ritmo parece o mesmo, pais e mães de família chegam em casa e a noite demonstra não só o refúgio nos bastidores da classe operária. Coloca-se em xeque o mito de fobia sobre o subúrbio na história de pessoas vivas e não mortas. As diversas temporalidades, a sociabilidade e o encontro noturno dos vizinhos expõe uma outra cidade, essa sem conflito.