quarta-feira, 6 de outubro de 2010

NAVIO NEGREIRO

postado originalmente em:
http://revistatrip.uol.com.br/blogs/trancarua/2008/12/05/navio-negreiro.html


Tô na rua. Escuto as sirenes dos carros de policia e o barulho do helicóptero do Datena que voa rasante sobre o centro de São Paulo. Viro a esquerda na rua do Triunfo e vejo entre as viaturas uma fileira de homens sentados, virados para a parede e com as mãos algemadas na cabeça. São todos negros.
Policiais civis do GOE, do GATE e de outros grupos especiais que usam roupas pretas e armas grandes fazem o cerco. São todos brancos.
Os negros são levados em fila indiana para dentro de um ônibus. Um ônibus cheio de negros sendo levados algemados por policiais fortes, brancos e armados até os dentes. A cena é a do navio negreiro.
Chego mais perto. São todos africanos. Nigerianos moradores do centro de SP. Ninguém pede documento, nem pergunta, nem nada. É preto, é africano, vai pro ônibus.
Alguns negros reclamam. Um se exalta. Um policial branco e gordo, armado com uma pistola, entra no ônibus e dispara continuamente um spray de gás pimenta. Fecha a porta e deixa os negros gritarem com os olhos em brasa e a garganta fechada. Alguns policiais brancos dão risada do lado de fora. Um negro desesperado por não poder respirar chuta a porta do ônibus e consegue escapar. É espancado por cinco ou seis policiais brancos que de tão entretidos com a agressão não percebem o fotógrafo que registra tudo de perto.
São muitos policiais mas não há espaço para todos baterem. Um dos que não conseguiram agredir o negro percebe a câmera e agride o fotografo. Mas o fotografo é branco e trabalha no maior jornal do pais. Leva só um tapa nas costas, alguns empurrões e é impedido de fotografar o negro, que já algemado continua sendo chutado.
Arregaçado de tanta porrada, o negro é posto de volta no ônibus, que segue viagem até o 3DP, na rua Aurora. Foram todos averiguados e soltos no mesmo dia. Era apenas mais uma operação padrão da policia de São Paulo.


A Carne
(Seu Jorge, Marcelo Yuca, Wilson Capellette)

A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo de plástico
Que vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos
A carne mais barata do mercado é a carne negra
Que fez e faz história
Segurando esse país no braço
O cabra aqui não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador é lento
Mas muito bem intencionado
E esse país
Vai deixando todo mundo preto
E o cabelo esticado
Mas mesmo assim
Ainda guardo o direito
De algum antepassado da cor
Brigar sutilmente por respeito
Brigar bravamente por respeito
Brigar por justiça e por respeito
De algum antepassado da cor
Brigar, brigar, brigar
A carne mais barata do mercado é a carne negra