terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Amanhecer da comunidade: A outra Curitiba

Curitiba, 11 de janeiro de 2010. 06:34.

Cercado de ruas, emerge o bairro, o arroio poluído e preenchido de dejetos e torna seu elemento. Jogados ao relento, o sofá e o fogão a lenha abandonados revelam um museu de antiguidades não tão antigas assim. O que antes era útil agora é parte de um habitat não mais pertencente a natureza, poucos faróis e buzinas revelam o território em cena, o mundo urbano suburbano...

Nem sai o sol já se escuta o barulho dos portões rangendo. Apontando a manhã vitoriosa esse é o proletariado saindo trabalhar, me encontro no acordado no bairro Gabineto, subúrbio curitibano. Abrem a portas da padaria da esquina, o balcão limpo é espaço um dos espaços de sociabilidade da comunidade. O horizonte mitifica as diversas territorialidades, aquém dos edifícios e dos condomínios alvorece o novo dia no bairro.

O historiador ainda não possui a sensibilidade com aquilo que ainda é um outro mundo, mas pouco a pouco, observando de casa a casa, de puxadinho a puxadinho, se define o imaginário de outras vidas. O sentimento se estampa no semblante de cada morador que se sente parte daquele pedaço, crianças brincam na rua, o braço tatuado na cadeia segura a mangueira e lava sua "caranga", automóveis com o motor aberto é consertado, a igreja evangélica abre para o primeiro culto e incitam a irritação do vizinho de frente "vai começá essa gritaria aí"... Se for assim será uma difícil competição com o som dos alto-falantes e cornetas que exalam o funk como hino do pedaço.

O caminhão buzina em frente ao ponto repleto de operários, uma criança passava livremente na rua, logo é chamada a atenção pela mãe, em frente passa o carro do geladinho (10 gelinhos por 1 real). Meu caminhar deflagra o bairro industrial, chaminés e fumaça vizinham o campinho de futebol quase sem grama, mas o jogo não é interrompido, pequenos meninos embarrados usando minúsculos calções apostavam 2 litros de Guaraná Antarctica... O convite do culto logo vem, uma Belina dirigida pelo próprio pastor fala em nome de Jesus, profetizando as pragas do Egito Antigo em analogia a crise mundial.

Cai a chuva nos telhados... Crianças brincam na rua enquanto a mãe chama para o almoço.

Logo a tarde, a regata e o bigode e o licor de mentruz na mão caracterizam um dos personagens do folclore do bairro, o contador de histórias é interrompido pelo dono do bar que o chama de mentiroso. Seu Baltazar retruca filosóficamente em sua defesa: "a mentira é uma verdade que não aconteceu". Acredito que disso nem precise falar, mas o carteado e o dominó fazem parte do ambiente e colocam em cena o desafio e a única rivalidade da classe trabalhadora além do Atlético e do Coxa, mas na parede dependurado está o tetra-campeonato do Corinthians (Curinthia).

Até o fim do dia, o ritmo parece o mesmo, pais e mães de família chegam em casa e a noite demonstra não só o refúgio nos bastidores da classe operária. Coloca-se em xeque o mito de fobia sobre o subúrbio na história de pessoas vivas e não mortas. As diversas temporalidades, a sociabilidade e o encontro noturno dos vizinhos expõe uma outra cidade, essa sem conflito.

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